19 de Março de 2018, notícia publicada pelo Mater Natura – Instituto de Estudos Ambientais
Desde 2004 tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) nº 3.729 que altera as regras do Licenciamento Ambiental. Este PL e outros 14 projetos a ele apensados podem ser votados nos próximos dias na Câmara dos Deputados.
Em comparação a recente decisão (28/02) do Superior Tribunal Federal (STF) sobre a votação do Código Florestal de 2012 (veja matéria aqui), mais uma vez a bancada ruralista é privilegiada enquanto o meio ambiente pode sofrer profundos impactos ambientais. Em seu art. 7° a nova lei, denominada Lei Geral de Licenciamento Ambiental, dispensa as atividades agropecuárias de procedimentos de licenciamento ambiental. Existe, também, a possibilidade para alguns empreendimentos serem enquadrados na modalidade de Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC), nesta licença o empreendedor irá declarar o seu compromisso quanto ao cumprimento dos requisitos relacionados ao meio ambiente, ou seja, contaremos com a “boa fé” dos empreendedores para respeitar os termos da autodeclaração!
O PL será votado em um cenário repleto de notícias sobre acidentes ambientais como o recente vazamento de rejeitos minerais da mineradora Hydro Alunorte em Barcarena no Pará. De acordo com publicação no site da UOL em 13 de março, a empresa admitiu a um jornal norueguês que realizou vazamentos controlados, sem autorização, num canal que passa ao lado da refinaria desde 17 fevereiro, após uma forte chuva que atingiu a região. A companhia menciona, porém, ter avisado as autoridades brasileiras e alega que este não é um acidente ambiental. Ou seja, neste caso fica evidente que em casos de julgamento dos responsáveis, eles facilmente se utilização de subterfúgios jurídicos para comprovar que “não estão descumprindo nenhuma lei” e consequentemente não se pode alegar que suas ações poderão prejudicar moradores da região.
O presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia, anunciou recentemente que há um acordo entre ambientalistas e representantes do agronegócio sobre o referido Projeto de Lei. No entanto, isto é uma MENTIRA, inclusive na última terça – feira (13) organizações ligadas à defesa do meio ambiente se reuniram com Maia e cobraram o compromisso de discutir amplamente esta nova lei assim como frisaram o não reconhecimento de tal acordo.
Em carta pública, assinada por 51 instituições ligadas as causas socioambientais entre elas o Mater Natura – Instituto de Estudos Ambientais se posicionam e destacam pontos do motivo pelo qual este projeto de lei não deve ser aprovado.
Leia a carta na íntegra.
Que acordo foi esse?
Recebemos com grande perplexidade o anúncio feito pelo Senhor Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, de que o Projeto de Lei que trata do licenciamento ambiental no Brasil (PL 3.729/2004) já teria acordo entre ambientalistas e representantes do agronegócio para ser votado e que as resistências dos ambientalistas em relação ao projeto haviam diminuído. NÃO RECONHECEMOS ACORDO ALGUM!
Até o presente momento, o texto do PL proposto pela bancada ruralista e outros setores que desejam mudar as regras de licenciamento ambiental do país deixa o meio ambiente vulnerável ao recomendar a dispensa de licenciamento para atividades agropecuárias a qualquer título e independentemente de seu impacto; ao criar o licenciamento autodeclaratório e flexibilizar as exigências ambientais; ao deixar inteiramente na mão de Estados e municípios a decisão sobre o grau de rigor da licença ambiental — que pode se nenhum se prefeitos e governadores assim entenderem; e ao retirar a obrigatoriedade da consulta a populações potencialmente atingidas — uma clara violação aos direitos de povos indígenas e de comunidades locais, além de representar ameaças a áreas protegidas.
O propagado (e fictício) acordo apenas presta-se a criar um falso ambiente de entendimentos, que resultará no desmonte da política de licenciamento brasileiro pelo Congresso, exatamente no momento em que o país assiste perplexo ao vazamento tóxico de rejeitos da empresa Hydro Alunorte, em Barcarena, no Pará. Caso aprovada a proposta na forma como se encontra, esta e outras tragédias, como o rompimento da barragem em Mariana, em Minas, ficariam mais propensas a ocorrer, atingindo de forma ainda mais brutal as populações locais.
Ao repassar aos Estados a possibilidade de fazerem suas próprias regras de licenciamento,o projeto ainda induz o país a uma verdadeira guerra fiscal ambiental, com entes federativos afrouxando regras para atrair empreendimentos. Tal medida, inconstitucional, traria reflexos negativos no ambiente de investimentos e nos custos de crédito. Em vez de produzir a almejada segurança jurídica, o texto transforma todo empreendedor num alvo potencial de ação na Justiça. Vale lembrar que o Ministério Público Federal já se manifestou publicamente contrário a esse PL.
Em setembro do ano passado, ao receber uma comitiva de artistas, indígenas e ambientalistas, Rodrigo Maia garantiu que o licenciamento só seria colocado em pauta após debate e acordo em relação ao tema, o que ainda não ocorreu.
Apesar da evidente complexidade e relevância do tema, o deputado Mauro Pereira, relator do polêmico substitutivo ao projeto de licenciamento, tem se negado a promover e participar de debates públicos para a melhoria do texto, o que resulta na atual situação de completa polarização e falta de consenso sobre a referida proposição. A falta de diálogo ignora pedidos expressos de diversos setores, como Ministério Público Federal, Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, organizações da sociedade civil, associações de servidores de órgãos ambientais e associações de municípios. Consideramos inaceitável que, após tantos apelos, o importante projeto de lei em questão, que versa sobre o patrimônio de toda a sociedade brasileira, seja votado no plenário da Câmara dos Deputados sem a realização de quaisquer debates públicos.
Exigimos que os órgãos técnicos, a comunidade científica, as comissões ambientais, as populações atingidas e a sociedade em geral sejam ouvidos. Esperamos que o deputado Rodrigo Maia seja o mediador de um real entendimento acerca das mudanças nas regras do licenciamento ambiental no Brasil e não permita que, sob a premissa de um entendimento desejado, mas infelizmente ainda inexistente, seja votado um texto em que o interesse econômico imediato de uma minoria — como a bancada ruralista — novamente prevaleça sobre os de todo o país.
Assinam:
ABRAMPA – Associação Brasileira dos do Ministério Público de Meio Ambiente
Amigos da Terra/Amazônia Brasileira
APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil
Apremavi – Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida
ARTIGO 19
ASCEMA Nacional – Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em
Meio Ambiente e do PECMA
ASIBAMA/DF – Associação dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente e
do PECMA
BVRio
CEDAC – Centro de Ação Comunitária
CI – Conservação Internacional Brasil
CONECTAS Direitos Humanos
FAOR – Fórum da Amazônia Oriental
FASE – Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional
FBDS – Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável
FundaciónAvina
Greenpeace Brasil
GT Infraestrutura
IBASE – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas
ICV – Instituto Centro de Vida
IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
IDESAM – Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia
IDPV – Instituto o Direito por um Planeta Verde –
IEB – Instituto Internacional de Educação do Brasil
Iepé – Instituto de Pesquisa e Formação Indígena
Imaflora – Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola
INESC – Instituto de Estudos Socioeconômicos
Iniciativa Verde
Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social
International Rivers – Brasil
ISA – Instituto Socioambiental
Marcha Mundial do Clima
Ministério Público Federal – Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão – PFDC
Ministério Público Federal – 4.ª Câmara de Coordenação e Revisão sobre Meio Ambiente e
Patrimônio Cultural
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
Mater Natura – Instituto de Estudos Ambientais
Observatório do Clima
OPAN – Operação Amazônia Nativa
PSA – Projeto Saúde e Alegria
RCA – Rede de Cooperação Amazônica
Rede ODS Brasil
SlowFood Brasil
SOS AMAZÔNIA
SOS Mata Atlântica
SPVS – Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental
Uma Gota No Oceano
WWF – Brasil
Foto: Agência Brasil