A redescoberta de um “velho” sapo em miniatura

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30 de novembro de 2020, notícia publicada pelo Mater Natura – Instituto de Estudos Ambientais.

Há vários anos pesquisadores associados ao Mater Natura, desenvolvem projetos e pesquisas relacionados com anfíbios do gênero Brachycephalus. Dentre diversos trabalhos publicados em diferentes áreas do conhecimento, os pesquisadores Marcos Bornschein, Marcio Pie e Luiz Fernando Ribeiro descreveram nos últimos 22 anos nada mais que 17 novas espécies de sapos deste gênero, contabilizando quase a metade do total de espécies. Luiz Fernando escreve abaixo alguns acontecimentos históricos da descoberta de algumas espécies destes anfíbios tão peculiares.

Os pequenos anfíbios nomeados de Brachycephalus, que em latim significa “cabeça com braços”, são popularmente chamados de pingos-de-ouro, sapinhos-da-montanha e sapos-pulga. São sapos em miniatura que se distribuem entre o sul da Bahia e o norte de Santa Catarina, na porção densa da Floresta Atlântica, tendo a maioria das espécies ocorrendo em áreas da Serra do Mar. Seus apelidos populares se devem ao fato de que algumas espécies possuem coloração amarela lembrando ouro, vivem exclusivamente em montanhas ou são extremamente diminutas.

A primeira espécie de Brachycephalus (pingo-de-ouro) foi descoberta pelo naturalista alemão Johann Baptist von Spix em 1824, que dois anos mais tarde foi nomeada de Brachycephalus ephippium pelo também naturalista Leopold Fitzinger. Quase 100 anos se passou da descoberta do primeiro pingo-de-ouro, quando o naturalista brasileiro do Museu Paulista, Alípio de Miranda-Ribeiro em 1920, descreveu a variação de várias espécies de Brachycephalus que até então não eram conhecidas. No entanto, estas variedades, como foram chamadas por Miranda-Ribeiro, foram apenas reconhecidas como espécies verdadeiras a partir de 1990. Até então a diversidade deste grupo de anfíbios não era estudada, mas revelou-se ser extraordinária. Entre a descoberta da primeira espécie por Spix e a descoberta da segunda espécie pelo professor Eugênio Izecksohn, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro em 1971, transcorreu 147 anos. Das 36 espécies de Brachycephalus conhecidas atualmente, 25 delas foram descobertas e descritas apenas nos últimos 10 anos.

Estes anfíbios possuem características notáveis e estão entre os menores vertebrados terrestres do mundo. Os pingos-de-ouro medem entre 12 e 18 mm de comprimento, os sapinhos-da-montanha entre 10 e 12 mm e os sapos-pulga entre 7 e 10 mm aproximadamente. Eles sofreram um processo evolutivo chamado de miniaturização para ficarem deste tamanho extremo. Eles têm adaptações específicas como resistência ao frio, não possuem a fase de girino, não sabem nadar, vivem sob a serapilheira no chão da floresta, possuem número reduzido de dedos e do tamanho dos dedos, nas mãos e nos pés, exibem cores exuberantes como o amarelo, laranja, verde, vermelho ou cores camufladas como o marrom escuro ou marrom claro.

Uma das espécies de Brachycephalus notada por Miranda-Ribeiro foi o Brachycephalus bufonoides (figura 1), mas que não foi considera à época como uma espécie distinta por se tratar de material oriundo da mesma localidade de Brachycephalus ephippium, além de uma descrição muito sucinta. Em outras palavras, não havia evidências suficiente para que fosse considerada espécie separada. Apenas em 2010 é que esta espécie foi reconhecida como uma espécie distinta, pelo pesquisador do Museu Nacional, José Pombal Júnior. Analisando e comparando com outras espécies agora já conhecidas e desfazendo enganos históricos de localidades de coleta e rotulagem dos espécimes, Pombal Júnior pode concluir que realmente se trata de uma espécie autêntica.

Brachycephalus bufonoides, um pingo-de-ouro (foto a partir de Folly et al. 2020, em Zootaxa 4819 (2): 265–294).
Figura 1. Brachycephalus bufonoides, um pingo-de-ouro (foto a partir de Folly et al. 2020, em Zootaxa 4819 (2): 265–294).

No ano de 2016 o pesquisador Marcos Bornschein do Mater Natura, elaborou um estudo ecológico sobre a distribuição geográfica e de altitude de todas as espécies de Brachycephalus. Neste estudo Bornschein apresenta as localidades de ocorrência das espécies na Floresta Atlântica, extensões de ocorrência de muitas espécies, tendo algumas com uma extensão não superior a 50 ha, indicando um endemismo radical. Além disso, ele também avalia quais seriam as localidades originais das espécies inicialmente descritas por Miranda-Ribeiro, apontando inclusive a coordenada geográfica. Brachycephalus bufonoides teria sido coletado na Serra de Macaé, município de Nova Friburgo (RJ). Esta localidade original é chamada de localidade tipo pelos zoólogos. Quase 200 anos depois da descoberta do primeiro Brachycephalus, pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro e entre eles a pesquisadora Manuella Folly, encontraram uma população estável em um local muito próximo daquele apontado por Bornschein. Eles então puderam estudar e analisar com detalhes a espécie de pingo-de-ouro (que não era vista desde 1920), incluindo alguns aspectos da morfologia, coloração, reprodução, evolução e canto.

A história de descobertas dos sapos em miniatura do gênero Brachycephalus é um exemplo da exuberância da Floresta Atlântica. Apesar de que ela está extremamente reduzida e ameaçada, ainda abriga uma biodiversidade gigantesca, sendo imprescindível esforços para sua conservação, visando não apenas a sobrevivência das próprias espécies, mas também como um banco de recursos biológicos sem igual no planeta para o homem.

No programa Meu Paraná da Rede Paranaense de Comunicação (afiliada da Rede Globo de Televisão) em 21/11/2020, Luiz Fernando Ribeiro apresenta seu trabalho e de outros pesquisadores associados ao Mater Natura, com os sapinhos-da-montanha e a importância da conservação da natureza. Para assistir ao vídeo clique aqui.

Conheça outras duas espécies do gênero Brachycephalus nas figuras 2 e 3.

Brachycephalus boticario, um sapinho-da-montanha (foto de Luiz Fernando Ribeiro)

Figura 2. Brachycephalus boticario, um sapinho-da-montanha (foto de Luiz Fernando Ribeiro).

Brachycephalus hermogenesi, um sapo-pulga (foto de Luiz Fernando Ribeiro)
Figura 2. Brachycephalus hermogenesi, um sapo-pulga (foto de Luiz Fernando Ribeiro).

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