Por meio de atividades de pesquisa e desenvolvimento tecnológico, a Fundação Parque Tecnológico Itaipu (FPTI) está realizando um conjunto de levantamentos e análises de dados da fauna e da flora do Refúgio Biológico Bela Vista (RBV). O objetivo é estabelecer índices de diversidade e análises de Ecologia da Paisagem, fornecendo subsídios para definição de estratégias voltadas para a conservação da biodiversidade.
Uma das estratégias foi a realização de licitação e a contratação do Mater Natura para efetuar o inventário da Avifauna e da Mastofauna na área do RBV. O projeto foi desenvolvido entre junho de 2021 e setembro de 2022 pela equipe executora: Avifauna – Roberto Bóçon e Renata Noguchi; Mastofauna – Michel Miretzki, Carlos Rodrigo Brocardo e Gledson Vigiano Bianconi.
O Refúgio ocupa uma área de 1.780 hectares e é representado por um mosaico de ambientes compostos por áreas antropizadas (de origem humana), experimentos florestais, floresta secundária, floresta secundária aluvial, reflorestamento, regeneração, formações pioneiras de influência aluviais e áreas de recuperação ambiental (Figura 1).
Para os levantamentos de campo de avifauna foram utilizadas duas metodologias distintas, uma quantitativa e outra qualitativa, sendo esta última desenvolvida nos quatro ambientes principais da RBV: Floresta Secundária, Floresta Pioneira Aluvial, Regeneração e Reflorestamento. As amostragens qualitativas abrangeram todos os possíveis ambientes existentes nos domínios do refúgio.
Figura 1 – Tipos de ambientes encontrados no RBV.
As campanhas de coleta de dados em campo iniciaram em agosto de 2021, e cada campanha foi executada por um período de 5 a 7 dias de coleta de dados em campo, seguindo a sazonalidade, com um total de quatro campanhas. Como resultado foram levantadas um total de 199 espécies de aves distribuídas em 21 ordens e 52 famílias registradas nos diversos ambientes amostrados no RBV (Tabela 1). O maior número de espécies foi registrado no período da primavera e verão. Foi detectado um total de 29 espécies de aves consideradas como migratórias.
Tabela 1 – Número de espécies de aves registradas no RBV, de acordo com seus ambientes.
Ambientes |
PA |
FS |
RF |
RG |
AQ |
A |
EX |
Total de espécies registradas |
102 |
112 |
75 |
73 |
30 |
70 |
12 |
Espécies exclusivas |
7 |
24 |
6 |
3 |
24 |
22 |
1 |
Levando-se em conta as espécies registradas em campo mais as espécies citadas em outros trabalhos anteriores, obteve-se um total de 319 espécies de aves para a área do RBV. Um total de oito espécies obtiveram o primeiro registro para a área de estudo, dentre as quais Eucometis penicillata e Tityra semifasciata apresentam poucos registros para o estado do Paraná.
Para realização do inventário da mastofauna também foram executadas quatro campanhas, trimestrais com caráter sazonal. Em sua realização foram usadas várias técnicas tradicionais e complementares em inventários de mamíferos: armadilhas de captura-viva (modelo Sherman) para pequenos mamíferos terrestres, especialmente pequenos roedores (ratos-do-mato) e marsupiais (gambás e cuícas); armadilhas fotográficas (cameras trap), para mamíferos em geral e, especialmente, para os médios e grandes mamíferos (carnívoros, macacos, roedores de maior porte, tatus, tamanduás, coelhos, entre outros) e redes-de-neblina (mist-nets) para captura de morcegos (Figura 3). A essas técnicas foram incorporadas a busca ativa por registros diretos (visualizações de indivíduos, por exemplo) e indiretos (pegadas, fezes, etc.).
As atividades de campo estiveram restritas a quatro áreas (ou habitats`) amostrais, selecionadas segundo sua representatividade no RBV: a) zona em recuperação (ou recuperação de forma abreviada), b) floresta em estágio secundário (secundária), c) brejos e banhados ou áreas com influência fluvial (banhados) e d) monocultura de leucena (leucena), que é uma planta invasora.
Após as quatro campanhas, foram registradas 34 espécies de mamíferos, distribuídos em nove ordens e 16 famílias (Figura 2). Desse total, 33 espécies foram registradas durante o esforço do inventário em campo e uma por informação de terceiros (equipe de Herpetologia do RBV): cuíca-lanosa Caluromys lanatus. A única ordem que não foi registrada, porém ocorrente na região do RBV, foi Perissodactyla, que no Brasil, apresenta uma única espécie, a anta Tapirus terrestris. A ordem Chiroptera contou o maior número de espécies, sendo seguida pelos Carnivora, com sete, duas das quais exóticas à mastofauna sul-americana (gato e cachorro domésticos), sendo seguidas pelas ordens Rodentia (roedores), com seis espécies e Didelphimorphia (marsupiais), com quatro. Os mamíferos de médio e grande porte predominam com 15 espécies, seguidos pelos pequenos mamíferos voadores (11) e não voadores (roedores; 6). Esta diversidade representa 26% dos mamíferos do Parque Nacional do Iguaçu e região, com viés esperado de crescimento para a riqueza de pequenos mamíferos terrestres e voadores, geralmente os grupos mais diversos localmente e que costumam compor 70%, ou mais, da riqueza de espécies de uma assembleia de mamíferos.
As áreas com floresta secundária e em recuperação apresentaram uma riqueza de espécies de mamíferos levemente superior às demais, com 24 espécies, enquanto as áreas de banhado e leucena a menor riqueza, respectivamente 21 e 17 espécies. Destacam-se, no entanto, as espécies que ocorrem em duas ou mais áreas amostrais (habitats), 22 espécies no total (64,7% do total).
Das espécies registradas, a suçuarana Puma concolor e o veado-cambuta Mazama nana são consideradas regionalmente (Paraná) e nacionalmente ameaçadas, ambas classificadas como vulnerável. O jaguarundi Herpailurus yagouaroundi, uma espécie de gato-do-mato, é listado como de dados deficientes no Paraná e considerado ameaçado no Brasil, na categoria vulnerável.
Em termos globais o veado-cambuta Mazama nana aparece na lista vermelha da IUCN como vulnerável, o macaco-prego Sapajus nigritus como quase ameaçada e o bugio Alouatta guariba é classificado como vulnerável pela lista brasileira e pela IUCN. Enquanto o tapiti Sylvilagus brasiliensis é classificado como vulnerável no Paraná e em perigo pela IUCN.
Figura 2. Comparação da riqueza de espécies de mamíferos autóctones (naturais do Brasil), estimado e registrado (dados secundários + dados primários), para o Refúgio Biológico Bela Vista e Parque Nacional do Iguaçu, Paraná
Figura 3. Morcego frugívoro Sturnira lilium, espécie comum e frequente no Refúgio.
Figura 4. Trogon surrucura (Surucuá-barriga-vermelha)