Registro reforça a relevância da Mata Atlântica e o protagonismo de pesquisadores do Mater Natura na descrição de espécies raras e endêmicas

Brachycephalus lulai, espécie entre 8 e 13,4 mm encontrada no topo da Serra do Mar. FOTO: Luiz Fernando Ribeiro/Mater Natura.
O topo úmido e frio de uma montanha da Serra do Mar, em Santa Catarina, acaba de revelar mais um dos seus segredos biológicos: uma nova espécie de sapo em miniatura, pertencente ao gênero Brachycephalus, um dos grupos de vertebrados mais diminutos e exclusivos do mundo. A descoberta é resultado de pesquisas conduzidas por pesquisadores associados ao Mater Natura – Instituto de Estudos Ambientais, que há mais de duas décadas exploram, descrevem e protegem os chamados sapinhos-da-montanha.
A descoberta, feita pelo Mater Natura – Instituto de Estudos Ambientais, com o apoio da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza (FGBPN), foi oficializada nesta quarta-feira, 10 de dezembro de 2025, por meio da publicação de um artigo científico na revista Plos One. A nova espécie representa a 27ª descoberta de animais feita por pesquisadores associados ao Mater Natura, sendo 22 anfíbios e 5 aves.
Medindo entre 8,9 e 13,4 milímetros, esses animais cabem na ponta de um dedo, mas carregam uma importância científica gigantesca. Suas características peculiares, como desenvolvimento direto (sem fase de girino), resistência ao frio, incapacidade de nadar e número reduzido de dedos, revelam adaptações extremas a um ambiente igualmente extremo: florestas nebulares que se formam entre 700 e 1.800 metros de altitude, onde a temperatura cai, a umidade aumenta e a vegetação permanece encharcada durante boa parte do ano.
Microendemismo: espécies que cabem em um único ponto do mapa

Morro Garuva, na divisa entre Paraná e Santa Catarina, onde a nova espécie ocorre em área restrita do topo da montanha. FOTO: Luiz Fernando Ribeiro/Mater Natura.
A nova espécie, Brachycephalus lulai, reforça um padrão já conhecido pelos pesquisadores: o microendemismo radical, termo usado para descrever espécies que existem apenas em áreas extremamente reduzidas, algumas tão pequenas que cabem em um único ponto do mapa, como é o caso desta que vive exclusivamente na Serra do Quiriri, em Garuva, Santa Catarina. No caso dos Brachycephalus, isso significa viverem restritos a uma única montanha, em territórios que às vezes não ultrapassam 50 hectares. Esse padrão também aparece em outras espécies descritas pelo Instituto, como Brachycephalus coloratus e Brachycephalus curupira, minissapos exclusivos das regiões de Piraquara e São José dos Pinhais, no Paraná.
“Esses animais só existem ali, naquele topo específico. São verdadeiras ilhas no céu”, explica Luiz Fernando Ribeiro, pesquisador do Mater Natura e da Universidade Federal do Paraná (UFPR). “Qualquer alteração ambiental, mesmo pequena, pode comprometer toda a população.”
Essa vulnerabilidade extrema faz com que cada nova descoberta seja acompanhada de um alerta sobre a urgência da conservação. Ambientes naturais vêm sendo modificados para construção de estradas, áreas de plantio e até pastagem, impactos que, somados às mudanças climáticas, colocam pressão severa sobre espécies que não têm para onde escapar.
Cerca de 40% das espécies de minissapos conhecidas no país foram descobertas por pesquisadores do Mater Natura
A equipe do Mater Natura, formada por Ribeiro e seus colaboradores, entre eles Marcos Bornschein, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), David Blackburn, do Museu de História Natural da Flórida, e Marcio Pie, da UFPR, é responsável por um feito raro na ciência brasileira: descrever 18 das 44 espécies de minissapos conhecidas no Brasil, o que corresponde a cerca de 40% de todas as espécies registradas pela ciência.
O trabalho de campo é árduo. Todo ano, as expedições começam em outubro e seguem até o fim do verão, com longas caminhadas pela mata fechada, trilhas íngremes que podem durar até oito horas e se estender pela noite. Para localizar os animais, os pesquisadores dependem de um ouvido treinado para identificar seus chamados quase imperceptíveis, muitas vezes mais parecidos com o som de um grilo do que com o coaxar típico dos sapos.
No laboratório, o desafio começa pelo fato de que muitas espécies são extremamente parecidas entre si, o que exige análises minuciosas. Para isso, os pesquisadores contam com ferramentas de alta tecnologia, como a microtomografia, que permite visualizar o esqueleto dos animais em 3D sem causar danos aos próprios exemplares. As imagens revelam detalhes sutis da estrutura óssea, essenciais para distinguir espécies quase idênticas. Paralelamente, eles analisam partes do DNA de cada nova espécie, construindo uma espécie de “árvore da família” que mostra como cada sapo se relaciona com os outros do grupo ao longo da evolução.
Ciência escondida em menos de 14 milímetros

O novo sapinho Brachycephalus lulai sobre a ponta de um lápis, destaque para o tamanho minúsculo típico das espécies da Mata Atlântica. FOTO: Luiz Fernando Ribeiro/Mater Natura.
Apesar de minúsculos, os Brachycephalus também são de enorme interesse biomédico. Algumas espécies produzem toxinas análogas à tetrodotoxina, a mesma encontrada em baiacus, conhecida por bloquear impulsos nervosos e ser letal mesmo em quantidades quase imperceptíveis, e já existem estudos que investigam seu potencial para o desenvolvimento de anestésicos.
Além disso, por sua extrema sensibilidade a mudanças ambientais, tornam-se indicadores naturais da saúde das montanhas da Mata Atlântica.
Espécie recebe nome em homenagem ao presidente Lula
A nova espécie de sapinho-da-montanha, batizada de Brachycephalus lulai, é uma homenagem ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Durante seus três mandatos, a preocupação com a conservação do meio ambiente esteve sempre presente, como mostra o número de unidades de conservação criadas durante sua gestão à frente do Executivo federal. Metade das áreas protegidas por unidades federais foi estabelecida nesse período, um avanço sem precedentes na preservação de biomas, ecossistemas e espécies.
Conservar para conhecer e conhecer para conservar
A Mata Atlântica perdeu mais de 93% de sua cobertura original, mas, como mostram as descobertas recentes, ainda guarda uma biodiversidade tão rica quanto pouco estudada. Para o presidente do Mater Natura, Paulo Pizzi, proteger essas áreas significa garantir a sobrevivência de espécies únicas e preservar processos ecológicos que não existem em nenhum outro lugar. “Se esses ambientes de montanha desaparecerem, perdemos não apenas espécies, mas também histórias evolutivas e conhecimento que ainda nem compreendemos por completo.”
As novas espécies estão incluídas no Plano de Ação Nacional para a Conservação de Anfíbios do Sul (PAN Herpetofauna Sul), que define ações prioritárias para grupos altamente vulneráveis, como os minissapos do gênero Brachycephalus, no qual o Luiz Fernando Ribeiro também faz parte do grupo de técnicos. Embora algumas populações ocorram dentro de unidades de conservação, muitas dessas áreas existem apenas no papel e carecem de estrutura e recursos para garantir proteção efetiva.
O Mater Natura também atua na proposição de novas unidades de conservação, especialmente em áreas onde espécies microendêmicas permanecem desprotegidas. Um exemplo é a colaboração na criação de um novo Parque Nacional na Serra do Quiriri, área de ocorrência do Brachycephalus lulai, localizada principalmente no município de Garuva, no norte de Santa Catarina. A região abriga centenas de espécies exclusivas da Mata Atlântica, incluindo outros Brachycephalus e diversos anfíbios, além de dezenas de nascentes que abastecem os municípios vizinhos. O novo Parque deve integrar uma área contínua entre a Serra do Quiriri, no lado catarinense, e a Serra do Araçatuba, no lado paranaense, somando mais de 32 mil hectares de área protegida.
“Quando falamos em conservar a natureza, estamos falando de proteger histórias evolutivas inteiras, que levaram milhões de anos para acontecer”, afirma Ribeiro. “E os minissapos são um dos capítulos dessa história.”





