25 de Novembro de 2018, notícia publicada pelo Mater Natura – Instituto de Estudos Ambientais.
Em 1995, pesquisadores do Mater Natura descobriram uma nova espécie de ave no litoral do Paraná, o bicudinho-do-brejo (Formicivora acutirostris). Desde então, a estudam continuamente e lutam pela sua proteção, mediante projetos desenvolvidos pelo Instituto. Em 2009, adquiriram propriedades no interior da baía de Guaratuba e criaram a Reserva Bicudinho-do-brejo. Também atuaram restaurando a vegetação de brejos, contaminada pela invasão de capins africanos devastadores. Dos estudos com a espécie, levantaram que a sua variabilidade genética é baixa e que a translocação de genes é uma possibilidade de assegurar a sua sobrevida, ameaçada por vários aspectos. Após anos de pesquisas e reuniões, a translocação de genes foi aprovada pelo Plano de Ação Nacional para a conservação das Aves da Mata Atlântica, como uma ferramenta para a conservação do bicudinho-do-brejo.
Desde fevereiro desse ano o Mater Natura, com apoio da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, está desenvolvendo o projeto “Revigoramento populacional do Bicudinho-do-brejo”, o qual visa ampliar a variabilidade genética de duas populações da espécie, uma de Morretes e outra de Guaratuba. Os pesquisadores decidiram translocar genes na forma de ovos ao invés de indivíduos adultos. Ou seja, ovos da população de Morretes são retirados de ninhos e levados para outros ninhos em Guaratuba, ao mesmo tempo em que ovos de ninhos em Guaratuba são levados a Morretes. Os ovos de uma população nascendo na outra, e os filhotes futuramente se reproduzindo, consolidarão a troca de genes e o caminho para o aumento da variabilidade genética.
Os desafios eram muitos a essa pesquisa inédita, que poderia, inclusive, não dar certo. Havia o risco de não aceitação dos ovos translocados pelos adultos, de abando do ninho durante as interferências de troca e, ainda, de os ovos translocados terem o embrião morto por impactos durante o transporte. Ao retirarem os ovos de um ninho e não o deixarem vazio até a recolocação dos translocados, o que resultaria abandono do ninho, os pesquisadores fazem uso temporário de ovos de plástico de canário, comprados em aviários. Esses ovos ainda foram polidos para ficarem em tamanho similar aos do bicudinho-do-brejo. Viu-se que os bicudinhos os aceitam, mas somente se estiverem aquecidos, o que facilmente se resolveu segurando-se firmemente os ovos plásticos nas mãos por alguns minutos. Não ocorreu abandono de nenhum ninho que recebeu ovos translocados e a incubação pelos adultos seguiu tranquilamente. Por fim, veio a confirmação de que os ovos translocados mantêm-se viáveis, pois eles eclodiram nos ninhos “adotivos”. Para maximizar o sucesso de nascimento dos ovos translocados, os pesquisadores translocam ovos que já estejam avançados na incubação, que dura 13 dias. Para o transporte dos ovos, eles são envoltos em algodão e acondicionados em pequenas caixas de isopor (figura 1), as quais, por sua vez, ficam em meio a isopor de bolinhas em caixas térmicas. Essas caixas térmicas não podem ser apoiadas para não absorverem impacto, ficando sempre no ar (figura 2).
Conseguido o sucesso no processo de translocação dos ovos, resta contar com as probabilidades de sucesso da reprodução, como um todo. Ou seja, que os ninhos durem até a saída dos filhotes (no nono dia de vida) e, depois, que eles vivam até se tornarem independentes, o que ocorre entre a sétima e nona semana de vida dos filhotes. Esses desafios todos sobre os ninho e filhotes do bicudinho-do-brejo independem dos pesquisadores, sendo regrados pela natureza. Como era de se esperar, marés altas, vendavais e predadores eliminaram vários ninhos com ovos translocados. Até o momento, os pesquisadores já levaram 14 ovos de Morretes para Guaratuba e outros 14 ovos de Guaratuba para Morretes (12 em setembro, 12 em outubro e quatro agora em novembro). Desse total (28 ovos), 18 se perderam, especialmente por predação, seis eclodiram e quatro continuam sendo incubados. Um dos filhotes nascidos fruto de ovo translocado é uma fêmea que foi anilhada agora em novembro e batizada de Eva, por ser a primeira. Ela ganhou anilhas coloridas azuis-claras e rosa-choque (figura 3). Ela está sendo cuidada pelos pais, ainda, mas deverá tornar-se independente em no máximo duas semanas. Ganhando o mundo, percorrerá brejos para tentar achar um pedaço vago para si, a fim de constituir um par e poder se reproduzir. Em média, 50% dos filhotes independentes acham um lugar para si, geralmente por volta do décimo mês após deixarem os territórios onde nasceram.
O projeto continuará lutando para tentar fazer nascerem mais filhotes frutos de translocação.
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